Foi assim que eu a vi. Escorada em uma árvore, com uma bituca de cigarro, olhando para o nada. Foi assim que eu a vi. Suas mãos estavam sobre a grama, seu cabelo perdido ao vento e aquele sorriso – meio escondido, meio solto – estava me pedindo pra ir em frente.
Quando eu a vi, até a moça ruiva da lanchonete que sempre deixa guardado pra mim o sanduíche mais quentinho, já não me importava mais. Nem mesmo a minha secretária, na qual mantinha relações secretas e tinha peitos tão fartos que enfartava qualquer um, conseguiu se manter na minha lembrança. A vizinha que sempre me dava “Oi!” nos fins de tarde e me desejava “Bom dia!” quando saía de casa, também não conseguiu se manter, por mais que mantivéssemos contato. Nenhuma delas, nem a Joana, nem a Clarinha, sequer a mãe daquele meu velho amigo conseguiu manter preso meus pensamentos como ela estava agora fazendo.
Eu estava lá, parado, bobo, inconsciente de qualquer coisa que não fosse seus olhos. Aquele largos cílios que desejavam me olhar e que por timidez, não o fizeram pelo simples fato de saber qual seria minha pergunta.
É claro que eu desejava chamá-la para sair, mas será que eu deveria?
Se eu chamasse, todo o trabalho que eu tive para construir meus edifícios se desmoronaria, eu sabia, assim que olhei pra ela. Sabia que ela seria minha ruína. Sabia que assim que a convidasse, eu teria que despejar minha secretária, ignorar minha vizinha e nunca mais me encontrar para uma noite de sinuca na casa do meu amigo.
[banner_post}Eu sabia assim que a vi, ela me destruiria e me construiria novamente por partes iguais. Eu não seria mais o ultraje das mulheres, nem o garanhão das novinhas, eu não seria mais exemplo dos amigos e tão pouco seria – como diria minha mãe – a opção das desesperadas. Eu seria somente mais um. Mais um entre tantos que tiveram seus corações roubados por um sorriso tímido, mais um que teve seu coração capturado por um olhar evasivo. Será que eu aguentaria? Será que eu não estouraria com ela por me deixar com ciúmes ou a perturbaria demais para me entregar um amor que já achava conhecer? Será que ela me aguentaria?
Olhei novamente em sua direção. Eu ainda estava parado e conseguia sentir o cansaço em minhas pernas. Tudo o que eu queria era me jogar naquela grama e deitar em seus braços. Ela olhou de relance e novamente voltou sua atenção para a grama.[clear]
Respirei fundo, espiei por trás e segui reto. Minhas pernas pareciam ferro em movimentos a minha vontade, elas já sabiam o quanto eu iria sofrer. Estavam gritando para eu dar meia volta e pedir para sair com a morena de lábios avermelhados que me encarou na porta da lanchonete. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas ao menos consegui manter o ritmo dos meus passos. Nunca pensei em parar para ouvir meu coração ou pelo menos nunca tinha escutado ele bater tão alto. Era tudo novo para mim. Não sabia se conseguiria falar, minha boca estava tão seca que parecia que eu tinha ficado no meio do asfalto, com um sol escaldante e uma semana sem água.
Minhas mãos começaram a tremer e eu senti meu cabelo pingar. Dava para notar o quanto eu estava horrível e desesperado. Com certeza ela iria achar que eu era algum tipo de turista perdido na cidade, o meu corpo estava dando todas as más impressões possíveis.
Foi aí que ela sorriu.
E meu mundo pareceu girar.
Controlei minha voz e soltei um abafado “Olá”. Um suspiro, dois. E sua resposta veio com uma história que eu já estava doido para escrever.