Pego o celular e aperto o número que ele ocupa na lista de chamadas rápidas. Caixa postal, mas o tom de voz suave, gentil e ao mesmo tempo forte da mensagem dele faz com que arrepios contornem a minha espinha. Eu preciso encontrá-lo, mas onde? Disco o número de sua casa, mas ninguém atende. Minha necessidade de falar com ele é urgente demais, não posso esperar. Então, algo me ocorre.
Enfio o celular no bolso e saio correndo sem ao menos parar para dar as cinco voltas costumeiras na fechadura, conferir todas as janelas ou fechar todas as cortinas. Eu preciso vê-lo. Chego à calçada e corro sem ao menos olhar para o chão, contar os passos ou pular as riscas. Sigo sem me importar com os chamados internos para o lugar onde nos encontramos pela primeira vez.
Quando chego ao bar, vejo quase a mesma imagem daquela primeira vez, mas com algumas sutis diferenças. Ele não está sendo naquela posição confiante e altiva, está curvado com os cotovelos apoiados sobre a mesa, rodando um lápis entre os dedos e com um caderno bem a sua frente. Está com uma expressão triste e vazia, como se sua cabeça estivesse em algum outro lugar bem longe.
Respiro tentando colocar meu fôlego e meu coração nos ritmos em que deveriam estar e ensaiando mentalmente o que eu deveria falar. Caminho em direção ao banquinho ao lado dele e me sento. Ele me olha com uma mistura de urgência, alegria e preocupação.
– Alice! Eu te liguei, te procurei, te mandei cartas! O que houve? Onde…
– Calma, eu estou bem, está tudo bem. Eu preciso te falar umas coisas, coisas importantes pra mim que foram os motivos de eu ter me afastado tanto, mas você precisa me deixar falar. São coisas difíceis pra mim e estou usando toda a força e coragem que existem em mim para ser tão sincera com você. Tudo bem?
– Claro, pode falar!
– Ok, vamos lá. Eu tenho TOC. Sofro disso desde pequena, por isso não tenho amigos, por isso pirei quando você demonstrou interesse em mim, por isso eu mantenho tudo na mesa perfeitamente organizada, não piso em riscas na rua e tranco a porta de casa cinco vezes antes de sair. Eu tenho um milhão de manias estranhas e é como se houvesse em uma voz na minha cabeça me dizendo que tudo só vai dar certo se eu for perfeita em cada uma das estranhezas. Por isso eu pirei no dia em que foi almoçar na minha casa, eu queimei o almoço e perdi o controle, de repente a voz começou a me dizer que tudo ia dar errado, que você iria fugir, que eu não era boa e eu não pude suportar. Aquela foi a gota d’água pra mim, porque desde que eu te conheci muitas coisas fugiram do que era normal pra mim. Eu te conheci em um passo impar, eu não contei os passos na volta pra casa, eu não corri para lavar as mãos quando você as tocou por acidente, porque por você eu não quero mais ser diferente, por você eu não quero ser estranha. Por você, eu parei de conferir a porta antes de dormir. Ela está aberta. Entre quando quiser. Volte quando achar melhor. Não vou mais desligar e ligar a luz 3 vezes para me certificar que terei um sono digno de princesa e descanso. Uma vez já basta. Meu sono só ficaria bom se você estivesse dormindo ao meu lado mesmo. Não vou mais te prender antes de ir embora, adiando sua saída, contando seus passos até a porta e não deixando que sejam ímpares. Ou pares. Isso não importa mais. Não vou te dar 5 longos beijos antes de dormir, pode ser 10? Nem separar sua comida no prato por cores, mas você precisa saber que a primeira coisa que eu pensei quando te vi foi nada. É. Nada. Foi a primeira vez em muito tempo que minha mente parou de funcionar por um segundo e a voz calou-se dentro de mim. A única coisa que eu reparava era o canto inferior da sua boca e como eu queira estar próximo a ele. E como eu queria estar com você todos os dias, mesmo que isso não fizesse sentido pra mim, mesmo que tudo desse errado! Eu queria que a gente desse certo e eu ainda quero isso! Por isso eu preciso que você me diga se mesmo depois de tudo isso você ainda me quer, me diga se você é capaz de aguentar toda essa maluquice que é viver comigo, ter um relacionamento com alguém como eu. Então me diz…
– Minha maluquinha, como eu poderia não querer você? Não tenho escolha, é como um íman, eu sinto vontade de estar com você, não importa o quão difícil seja, eu quero ficar você.
– Mas você entende como isso será? Entende que o meu jeito de andar, devagar e sem pisar nas constantes linhas da calçada te atrasam. Meu jeito super reto de segurar sua mão te deixa desconfortável e os lençóis da minha cama são estendidos demais para você conseguir dormir. Não gosta daqueles eternos cinco beijos antes de dormir e se irrita com o excesso de coisas que eu tenho que fazer em ordem, por partes. Vai chegar uma hora em que você vai olhar pra mim e vai concluir que isso não vale mais a pena, que eu não valho mais a pena, mas mesmo assim eu quero ser egoísta e masoquista, porque você é a primeira coisa mais linda que eu fiquei presa e não me importei com isso. As luzes estão acesas, a porta está aberta…
– Então me deixa entrar, porque eu não quero estar com mais ninguém, eu só quero você.
Fecho os olhos enquanto sinto-o segurar meu queixo e me puxar para perto de seus lábios. Nesse momento me dou conta de quanta falta senti daqueles lábios.
– Vou perguntar mais uma vez, mas, se sua resposta desta vez for sim outra vez, terá que entender que vai ser de verdade e que não importa quanto você tente me afastar, eu não vou embora. Alice, você quer namorar comigo?
– Sim, mais do que qualquer outra coisa na minha vida. Definitivamente sim!
E no meio dos nossos beijos, eu percebi que tive que me entregar totalmente a outra pessoa para me libertar de mim mesma, que quando decidi morrer de amor foi quando comecei a viver de verdade.
