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Subi até o meu apartamento completamente extasiada. Ele me pediu mesmo em namoro? Eu disse mesmo sim? Minha secretária eletrônica sinalizava que estava lotada e provavelmente seria minha mãe tendo um colapso nervoso, então resolvi ignorar, eu precisava de um banho pra pensar em tudo que aconteceu.
Coloquei minha playlist favorita, liguei a água quente, contei até 5 e liguei a fria. Enquanto lavava o cabelo só conseguia ouvir a voz dele dentro da minha cabeça dizendo “quer namorar comigo?” repetidamente e curtindo as borboletas que essas três palavras me causavam. Mesmo depois do banho, já deitada na minha cama, só conseguia pensar nele e como ele fazia com que eu me sentisse.
Enquanto curtia minhas lembranças da minha noite com ele, fui subitamente arrancada do meu segundo mundo pelo toque do telefone. Não queria atender minha mãe hoje, amanhã daria uma boa desculpa, mas algo me fez verificar o número que estava me atrapalhando e não era o da minha mãe. Atendi rápido antes que parasse de tocar e aquela voz forte soou do outro lado da linha.
– Oi, minha linda.
– Boa noite, menino dos olhos mais lindos! – meu coração saltava dentro do peito.
– Desculpa estar ligando tão tarde, mas tenho dois ótimos motivos!
– Então conte-me esses motivos!
– Motivo número 1: Já estou com saudades! E motivo número 2: Amanhã é sábado e como suponho que você não tem aula, também suponho que você não irá ao bar e eu não aguentarei ficar um final de semana inteiro se te ver, então, como faremos?
– Como contestar diante de motivos tão bons? Eu também já estou com saudades e você tem razão, não tenho aula amanhã, será que você não gostaria de vir almoçar no meu apartamento? Eu mesma posso cozinhar pra nós e aí nós podemos nos conhecer melhor. O que acha?
– Ok, vou dormir. Tchau.
– Ei ei ei, o que houve? Falei algo de errado?
– Não! Só quero dormir logo para que amanhã chegue e eu te veja! Estou ansioso!
– Hahaha, boa noite, meu sorriso torto!
– Boa noite, meu amor!
Meu amor, meu amor, meu amor e ficou repassando na minha cabeça várias e várias vezes até que eu finalmente pegasse no sono para que pudesse sonhar com os olhos e sorrisos que me deram as maravilhas do mundo da Alice.
No dia seguinte acordo cedo, tenho tantas coisas para arrumar que já sinto meus nervos se exaltando. Respiro fundo e me controlo. Não posso me deixar levar agora. Era cedo demais para ele perceber todos os meus problemas.
O sol raiou pela janela do meu quarto, entrou inundando a minha felicidade e eu levantei subitamente recordando-me da noite anterior. Hoje é dia de conquistar meu namorado pelo estômago. Usar essas palavras “meu namorado” fez com que as borboletas já tomassem posse logo cedo e eu gostei desse ponto de vista. Tenho tantas coisas para arrumar que já sinto meus nervos se exaltando. Respiro fundo e me controlo. Não posso me deixar levar agora. É cedo demais para ele perceber todos os meus problemas.
Fui ao mercado e comprei todos os ingredientes para nosso almoço romântico. Resolvi fazer uma salada com diversos vegetais, salmão ao mel e limão. Voltei para casa rapidamente, ainda precisava fazer aquela faxina e deixar o quarto impecável.
Guardei as compras e varri a casa. Recoloquei todos os enfeites nos seus devidos lugares, devidamente alinhados. Almofadas retas sob o sofá, lençol esticado e livros empilhados. Tudo milimetricamente calculado pelo meu cérebro maluco. E olha que nem gosto tanto de matemática assim, mas tudo precisava estar perfeito.
Mesmo com tanta empolgação, minha segunda voz insistia em dizer: “Olha só onde você está se metendo, garota. Esse cara vai estraçalhar seu coração. Vai dar errado. Você esqueceu de alinhar aquele quadro ali. Corre lá porque se não fizer isso, seu peixe vai ficar horrível.” Eu não podia simplesmente ignorar, não dá. É uma força maior do que eu, não sei explicar.
Depois de muitos rituais realizados consegui iniciar meu almoço. Coloquei Bon Iver para tocar e as coisas começaram a fluir novamente. Quando estava acabando de preparar a salada, o interfone tocou, era o porteiro avisando que Vinícius havia chegado. Autorizei sua entrada e corri para abrir a porta.
Ele chegou trazendo meu sorriso preferido, um buquê de rosas vermelhas e uma caixa em formato de coração com trufas de brigadeiro, as minhas preferidas. Como ele sabia? Beijou-me docemente envolvendo seus braços ao meu redor, um abraço apertado e ao mesmo tempo aconchegante. Queria eu poder morar ali. Dentro do seu abraço. Tem lugar melhor para se viver? Não, certeza que não…
Coloquei as rosas dentro de um jarro com água. Fomos para cozinha e ele terminou de lavar e picar os vegetais que estavam faltando para colocar na travessa. Enquanto isso, resolvi arrumar a mesa. Sempre que precisava fazer isso, minha mente martelava com todas aquelas maluquices que só eu entendo.
“Pratos alinhados com talheres, copos à um palmo de distância, dois guardanapos para cada prato, toalha perfeitamente esticada, cadeiras puxadas com assentos perfeitamente limpos… Isso tudo ou nada. Isso ou um fracasso de almoço.”
Eu não queria mais dar ouvidos à essa voz maluca que conversava comigo todo dia. Estava decidida que iria ignorar e seguiria meus instintos. Quando tomei essa decisão, Vinicius gritou:
– O peixe está queimado, amor! Corre! – Não pude acreditar quando ouvi isso. Saí correndo para a cozinha porque precisava ver com meus próprios olhos que era verdade e não apenas mais uma de suas gracinhas.
Sim, era verdade. O meu salmão já era. Não sei como, mas não dava para recuperar mais e eu não queria me esforçar para mudar a situação. Já estava provado o porquê disto ter acontecido.
“Eu te avisei.”, era o que rondava a minha mente. Não consegui segurar e caí no choro. Não era um choro de tristeza por causa do peixe. Era um choro de desespero. Eu não sabia mais o que fazer, estava farta dessa situação.
Vinícius ficou assustado e foi me abraçar.
– Não foi nada, meu amor. Não tem problema. Isso acontece. Minha mãe sempre queima as coisas lá em casa também. – ele dizia, tentando me confortar, mas eu não conseguia parar de chorar.
– Lógico que tem problema! É claro que tem. – foi o que eu consegui dizer em meio aos soluços. – Até quando as coisas vão ser assim? Por que não posso fazer o que quero? Sempre tenho que levar em consideração o que você me diz. Saí da minha mente. Eu não aguento mais.
Vinicius me olhava assustado, nunca me vira deste jeito. Pude perceber que eu não falava coisas que significavam algo para ele. Merda. Agora ele vai sair correndo por aquela porta e nunca mais voltar.
– O que está acontecendo? Não estou entendendo o que está falando? Que voz? Está maluca?
– Vinicius, você tem que ir embora! – falei desesperadamente em meio às lágrimas.
– Não, não tem necessidade! Foi só um peixe, pare de besteira! Não posso te deixar aqui assim!
– Não, você precisa ir! Eu quero que você vá! Saia daqui! Saia agora da minha casa!
E fui empurrando-o até a porta. Ele tentou me parar mas era inútil, eu já não era mais a menina que ele conheceu, meu outro eu já tinha tomado conta de mim.
Tranquei a porta e corri para o meu quarto. Sentei no meio da cama e fiquei completamente imóvel só absorvendo o que a voz na minha cabeça falava “Muito bem, você não me ouviu e viu o que aconteceu? Agora ele nunca mais vai querer te ver.”
Eu ouvia ao fundo o telefone tocando, mas não podia me mover. Eu o mandei embora. Eu o expulsei do apartamento. Eu nunca mais vou ver aqueles olhos e o meu sorriso torto outra vez.