Alice Sem Maravilhas – Episódio 2/10 | Namorada Criativa - Por Chaiene Morais
Histórias

Alice Sem Maravilhas – Episódio 2/10

*Este post faz parte de uma web série. Se você perdeu o primeiro capítulo, encontre-o aqui.

Ficamos em silêncio apenas sustentando o olhar um do outro por um tempo. Era uma sensação de paz maravilhosa, minha mente descansava dos pensamentos obsessivos e, pela primeira vez na minha vida, eu estava completamente relaxada com apenas uma palavra rodopiando na minha mente: “anjo”.  Todas as minhas manias tinham ido embora e eu havia me esquecido do quão complicada minha vida era, elas não importavam, pelo menos não agora, não enquanto aqueles olhos castanho-esverdeados estivessem colados aos meus.  Ele me olhava sem medo, como se nos conhecêssemos há anos e parecia estar decorando cada parte do meu rosto. 
Não sei ao certo quanto tempo passou enquanto estávamos perdidos em nossos olhares, mas pelo número de pessoas nos observando com curiosidade, acredito que foi um longo tempo. Pisquei para tentar me desprender do mundo fantástico que aqueles olhos me guiavam, virei a cabeça de lado e passei a mão por dentro dos cabelos, separando cada fio embaraçado. Ele também notou nossa não tão pequena viagem e ao mudar de posição na cadeira tentando disfarçar a estranheza da situação, esbarrou na minha perna.

Olhei assustada para ele e ele apenas mostrava aquele sorriso torto com as bochechas coradas. Alguém precisava cortar aquele silêncio gritante rápido. Foi então que a expressão dele assumiu um ar divertido e curioso.


– O que foi? – Perguntei com medo da resposta.

– Nada, Alice. Pode parecer uma cantada, mas juro que não é. Você é muito linda. Não te conheço, mas tenho certeza que não é só fisicamente. Tem muito aí dentro que eu adoraria conhecer.

Cara de cantada, jeito de cantada, gosto de cantada e até cheiro de cantada, o que era isso então? Fiquei parada por alguns segundos decidindo se ficava feliz ou ofendida por não ser uma cantada e não consegui reagir. Não podia negar que ele também mexia comigo, mas não sabia se era uma coisa boa, minha única certeza era que o anjo Vinícius do sorriso torto e os olhos mais bonitos que eu já vi me colocaria em uma insônia nos próximos dias.

– Desculpe se te assustei vindo até aqui, te olhando calado por tanto tempo e agir estranho falando aquelas coisas. Não sei o que deu em mim. Pode acreditar, não sou o tipo de homem que vai atrás de cada moça bonita que vê por aí. Juro. Só que com você eu não sei o que aconteceu. Levantei do meu banco, apenas segui minhas pernas e cá estou, elas me trouxeram até você. Não podia simplesmente dar meia volta e fingir que não foi nada. Eu precisava te conhecer, saber mais sobre você.

 “Saber mais sobre você” porque será que eu tenho a impressão de que isso não vai dar certo? Quer saber mais sobre mim? Quer saber que sou viciada em números pares e não acredito ou confio em nada que tenha um número impar? Quer saber que eu lavo as mãos 10 vezes antes de sair e depois de voltar para casa? Quer saber que só como as balinhas azuis e amarelas, porque simplesmente não consigo engolir as outras? Pode acreditar em mim, você me conhecer é uma coisa que não vai fazer bem para nenhum de nós. 

– Você não me assustou… talvez um pouco… Você não é um maníaco, não é? Não que você me contaria caso realmente fosse um, mas não custa perguntar. É que você chegou do nada com toda essa história de saber mais sobre mim… é só para rir de mim? Já sei, os garçons me viram chegar, viram nossa troca de olhares e te contaram o que sabem sobre mim, por isso você veio, não é? Se for isso, eu confirmo. Tudo que eles disseram é verdade, eles estão todos certos. Só não ria de mim, pelo menos não na minha frente.

Faz 20 anos que convivo comigo mesma, tive 20 pra aprender a lidar comigo e posso afirmar que não foram maravilhosos anos de luz. Não, eu não sou uma pessoa triste, pelo menos não em tempo integral. Eu sou diferente dos outros, eu faço coisas que assustam, afastam ou fazem com que as pessoas me olhem como olham cachorrinhos filhotes nas lojas dos shoppings e eu já aprendi a conviver com isso, não preciso que compreendam minha situação e me amem ou me bajulem, mas também não significa que eu gosto de ser piada alheia. E ele fica me olhando desse jeito tão indecifrável. Nesses meus longos anos me tornei especialista em olhares, mas o dele eu não me lembro de ter catalogado. Ele me olha com uma profundidade que me faz acreditar nas suas nobres intenções, é um olhar travesso, quase como se quisesse brincar. Não me fazer alvo da brincadeira, mas brincar comigo, rir comigo. Um casal, duas pessoas, um número par… não, Alice! Devagar! Sem fantasias, sem maravilhas.

– Ei, calma. Não sei de nada. Não conheço os garçons, nem conversei com algum, é a primeira vez que lancho aqui. O que está acontecendo? Você está bem? O que eles diriam sobre você? – ele quebrou toda minha linha de pensamento e eu fui obrigada a piscar.

Fiquei olhando para ele sem saber o que dizer, eu entreguei tudo de mão beijada. Tonta, ele não sabia de nada, só estava sendo legal e sincero comigo e agora o que me restava era sair dali o mais rápido possível, ele já me acha estranha mesmo. Não podia me envolver, não tão rápido, não com tantas manias e obsessões e também não posso dar todas as explicações e respostas. Eu iria sofrer, ele também. Talvez até não entenderia, diria que sou louca, louquinha, assim como o Chapeleiro dizia na história e eu não precisava de mais alguém para reforçar isso na minha cabeça. Já bastava meus pais, meus parentes e qualquer pessoa que tenha a intenção de ser alguma coisa na minha vida não me compreenderem e se afastarem, vivo cercada de quase estranhos meio conhecidos na faculdade…

* Essa web série está sendo escrita em conjunto pela Mari Guimarães e Gabi Piva. Serão postadas duas vezes por semana, na segunda-feira e sexta-feira. Não percam! Prometo que não vão se arrepender! <3
 

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